Houve época em que a Microsoft reinou soberana ditando as regras do mercado. O auge, talvez, tenha sido durante os anos noventa do século passado.
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No início daquela década ainda não havia Internet ao alcance do público. Os grandes lançamentos de produtos eram feitos nas feiras de informática, e feira de informática não faltava. A mais importante era a COMDEX, que começou timidamente em Las Vegas no final dos anos setenta. Em meados dos anos noventa havia duas grandes edições: a original, COMDEX Fall em Las Vegas, e a COMDEX Spring, em Chicago e Atlanta em anos alternados. Eu costumava frequentar esta última e nela vi nascer no início da década, em um canto de pavilhão, um conjunto de estandes temáticos dedicados exclusivamente a Windows, cuja versão 3.1 havia acabado de ser lançada e começava a fazer sucesso.
No ano seguinte o espaço dedicado ao mesmo conjunto cresceu significativamente. E para encurtar a história: em menos de cinco anos aquele conjunto de estandes passou a chamar-se Windows World e exigiu um pavilhão próprio que, no ano seguinte, era maior que o do restante da COMDEX.
Ainda nesta época, em 1992, a IBM lançou talvez o que poderia ter sido o melhor sistema operacional para a linha PC: o OS/2. O sistema era excelente, estável, seguro, com uma interface gráfica primorosa e com detalhes técnicos importantes, como capacidade de realizar multitarefa preemptiva por ser o primeiro SO para PCs “de 32 bits”, o que o tornava infinitamente melhor do que Windows 3.x. A MS prontamente reagiu e começou a desenvolver o Windows 95, também um sistema “de 32 bits”, mas um projeto desta monta leva tempo e só ficou pronto dois anos depois (a versão resultante foi a primeira a receber o nome do ano em que foi lançado, Windows 95).
Pois bem: na COMDEX Fall de 1994, com o OS/2 no mercado já há dois anos e bastante maduro, eu percorri todos os estandes dos grandes desenvolvedores em busca de seus produtos para o OS/2. Encontrei dois ou três. Todos os demais estavam com sua equipe de programadores empenhada em desenvolver uma versão de 32 bits que rodasse “na próxima versão de Windows”, que só veio a público no ano seguinte e fez o sucesso esperado (incidentalmente: o OS/2 morreu de morte matada pela escassez de aplicativos e inaptidão da IBM de lidar com público não corporativo).
Pois bem, a MS continua dominando o mercado de sistemas operacionais para PCs. Nove entre dez máquinas deste mercado rodam alguma versão de Windows, mais da metade Windows 7. O que deveria significar que a MS ainda desfruta de seu soberano reinado sobre o mercado.
O problema é que o mercado de PCs (ou, genericamente, de máquinas de mesa e “notebooks” de grande capacidade computacional) vem encolhendo significativamente nestes últimos anos, sendo engolido pelo mercado de sistemas operacionais para dispositivos móveis.
E neste último mercado, como anda a MS?
Mal, muito mal. Mas muito mal mesmo: enquanto os líderes, Android e iOS, disputam renhidamente o primeiro lugar (o primeiro com 47% e o segundo com 43% do mercado), o Windows Phone, da MS, abocanha apenas vergonhosos 2,4% e está em quinto lugar (a preferência do mercado tem razões que a própria razão desconhece: uso tanto o Windows Phone quanto o Android há anos e, honestamente, o Windows Phone me atende bem melhor; mas quem sou eu para ditar regras de mercado).
As coisas começaram a “degringolar” para a MS quando lançou a versão Vista de Windows. Conseguiu se recuperar com Windows 7, mas afinal se deu conta que a continuar dependendo do mercado de máquinas de mesa, acabaria dando com os burros n’água.
E então resolveu dar um golpe de mestre: já que a tendência do mercado se voltava cada vez mais para dispositivos móveis e com telas sensíveis ao toque, sem ouvir a opinião dos usuários, decidiu que a próxima versão de Windows seria otimizada para estes dispositivos, deixando os PCs claramente de lado. Juntou a turma de desenvolvedores, forneceu as novas diretrizes, trabalhou um bocado, criou um excelente sistema operacional, seguro, rápido e cheio de novidades e, com a devida pompa e circunstância, lançou o Windows 8.
Resultado?
Deu com os burros n’água.
Os usuários, acostumados com a interf
Apesar de ter lançado pouco depois um upgrade gratuito para Windows 8.1 que atendeu grande parte do clamor dos usuários, mais de dois anos após o lançamento, Windows 8.1 não chega a abocanhar 14% do mercado. E me refiro ao mercado de PCs, onde a MS canta de galo.
O que deu errado?
Volte alguns parágrafos e releia aquele que fala sobre as diretrizes para o desenvolvimento de Windows 8. Preste atenção, sobretudo, no trecho “sem ouvir a opinião dos usuários.”
Foi fatal.
Uma empresa que tem, literalmente, centenas de milhões de usuários não pode se dar ao luxo de desprezar sua opinião exceto quando é dona absoluta do mercado. É verdade que, enquanto o era, a MS cansou de fazê-lo. Mas em 2012 as condições já eram outras.
O que fez a MS baixar a crista e adotar uma nova atitude. Um fato altamente positivo.
Windows 10 – o próximo capítulo
Anteontem, em sua sede em Seattle, a MS reuniu a imprensa especializada para ouvir, de seus principais executivos, uma apresentação intitulada “Windows 10 – The next chapter”. A apresentação foi veiculada para todo o planeta via Internet e este vosso criado teve a oportunidade de assisti-la em tempo real. Veja, na Figura 1, Terry Myerson, Vice Presidente Executivo de Sistemas Operacionais da Microsoft, abrindo os trabalhos.
Novidade não faltou. Falou-se de tudo que tivesse a ver com Windows 10 e de mais umas tantas coisas que nem tanto tinham, como o HoloLens, um dispositivo criado pela MS para gerar hologramas, e o MS Surface Hub, um negócio danado de interessante que parece uma enorme televisão mas que é na verdade um computador com capacidades extraordinárias para uso corporativo.
Mas não me cabe discutir tais assuntos. Basta garimpar um pouco aqui mesmo no TechTudo que vocês saberão os detalhes de todas as novidades, tecnologias, funcionalidades e coisas que tais que a MS já introduziu ou planeja introduzir nos próximos meses em Windows 10 e que foram reveladas em primeira mão no evento. E há algumas, acredite, que vale a pena saber. Mas o objetivo desta coluna não é alardear novidades, mas partilhar com meus preclaros leitores minha opinião sobre dois itens que eu reputo da maior importância.
O primeiro e provável indicador que desta vez a MS acertou e não dará novamente com os burros n’água é o fato revelador que Windows 10 foi desenvolvido não apenas pela equipe de criação da MS mas, também e concomitantemente, por seus usuários. Graças ao programa “Windows Insider”.
Não conhece? Pois então se inscreva. Qualquer um com uma conta da Microsoft, destas usadas para registrar-se (ou “fazer logon”) em Windows 8.1 pode participar. Basta visitar a página de entrada, se inscrever, baixar uma cópia da versão “Technical Preview” de Windows 10, começar a usá-la e, se achar que deve, mandar pitacos para a MS sobre suas ideias de como melhorar o sistema.
Para quem acha que não funciona: desde outubro passado, quando o programa foi iniciado, registraram-se 1,7 milhão de usuários que instalaram Windows em mais de três milhões de máquinas e, ao que parece, as usaram com afinco. Isto porque enviaram à MS mais de oitocentas mil contribuições sobre duzentos mil tópicos diferentes. E, meus amigos, duzentos mil tópicos representam um bocado de coisa.
E o melhor é que, segundo afirmou Myerson, corroborado por diversos depoimentos em vídeo de membros da equipe de desenvolvimento de Windows 10, todos foram examinados e muitos, mas muitos mesmo, incorporados ao sistema.
E os resultados foram altamente positivos.
Segundo Myerson, “interagir com a tecnologia deve ser tão natural como interagir com pessoas, incluindo gestos, fala e até mesmo olhares”. E, no que toca à interação, “Windows 10” põe o usuário no controle”.
De fato, eu venho acompanhando sistemas operacionais sendo desenvolvidos já há quase um quarto de século e já vi distribuições prévias de cópias beta, “release candidates” e mais umas tantas formas de denominar as “amostras” do que viria a ser o sistema, mas não passava disto. Um programa como o Windows Insider, realizado concomitantemente com o desenvolvimento do produto e levando em consideração ao longo do caminho as opiniões dos usuários, é novo para mim. Novo e surpreendentemente bem sucedido.
Um dos mais notáveis resultados deste desenvolvimento, digamos, “em conjunto” é o fato de que só haverá um Windows 10. E olhe lá.
Com isto quero dizer que não teremos um Windows 10 para PC, outro Windows 10 para tabletes e um terceiro Windows 10 para telefones. Teremos um e só um Windows 10, o mesmo cerne (“kernel”) de sistema operacional para todo e qualquer dispositivo em que ele rode, diferindo apenas no formato e aspecto da interface. E, ainda assim, diferindo o mínimo possível.
A identidade do sistema será de tal forma preservada seja qual for o dispositivo em que rodar que, nestes dispositivos de dupla personalidade que parecem um notebook mas que permitem que o teclado seja removido para se transformar em um tablete (tenho um e achei tão bom que dispensei meus velhos “notebook” e tablete), ao se remover o teclado a interface muda automaticamente de “modo” e aparece otimizada para tabletes. Reponha o teclado e Windows 10 “percebe” e volta ao modo “notebook”.
Esta característica aparentemente simples é um pequeno prodígio tecnológico. E traz benefícios para todos. Os usuários só terão que aprender um sistema operacional para se entender com suas máquinas de mesa e dispositivos portáteis sejam de que tamanho forem, desde “notebooks” de grande capacidade computacional até máquinas mais leves, tabletes, telefones e mais o que se inventar, desde que rode Windows 10. E para os desenvolvedores nem se fala: desenvolver um aplicativo para Windows 10 será, simplesmente, desenvolver um, só um, aplicativo para Windows 10 – que rodará igualmente seja lá em que dispositivo tenha Windows 10 instalado.
O que nos leva aos aplicativos universais e à integração e sincronização entre dispositivos.
Pois acontece que, como os anjos, hoje em dia os usuários de computadores vivem entre nuvens. E tudo o que se cria e armazena em um dispositivo ou vai para a nuvem ou, pelo menos, manda uma cópia para lá. Cópia esta que, em Windows 10, a critério do usuário, pode ser automaticamente “baixada” e armazenada em um ou mais de seus dispositivos ou, no mínimo, ficar por lá esperando o momento em que, caso deseje, o usuário a acesse.
Ora, arquivos são dependentes de programas. Então, também os programas estarão disponíveis em todos os dispositivos que o usuário desejar.
A MS batizou isto de “Aplicativos Universais”. Eles formam uma vasta família de programas que rodam igualmente em PCs, tabletes e telefones. O chamado “engine”, ou seja, o motor, ou conjunto de rotinas que processam os dados, é rigorosamente o mesmo. Mas, quando um arquivo criado por um destes programas universais for carregado em certo dispositivo, ele se apresentará em um formato otimizado para aquele dispositivo. O que significa que você pode começar a criar um documento no seu PC do escritório, continuar a trabalhar nele em seu telefone no metrô e terminá-lo em seu tablete de casa.
Gostou da ideia? (Não me refiro ao excesso de trabalho que se estende do escritório até sua casa, me refiro à possibilidade de editar o mesmo documento com o mesmo programa universal em diferentes dispositivos).
Pois se gostou e acha que estes programas universais serão todos simplesinhos, se engana. O pacote de aplicativos Office será um deles. E para provar, eis aí na Figura 2 Joe Belfiore, o Vice Presidente Corporativo do Grupo de Sistemas Operacionais da Microsoft, exibindo uma complexa apresentação Power Point a partir de um telefone Lumia 1520, com faixa de menus e tudo a que tem direito.
Quer dizer: não apenas haverá um só Windows 10 para todos os dispositivos como também tudo que se criar em um, a critério do usuário, será sincronizado com os demais.
Quanto custará Windows 10?
O segundo ponto que me chamou a atenção e que gostaria de comentar com vocês é a estratégia da MS para reassumir sua posição de líder inconteste, usando para isto seu novo Windows 10.
Vou tentar citar o mais literalmente possível a declaração de Terry Myerson sobre a forma pela qual a MS pretende fazer com que “todo o mundo” passe a usar Windows 10 e como pretende manter essas centenas de milhões de usuários fieis ao seu sistema.
Diz ele – com as devidas ressalvas de que isto foi colhido de uma exposição em vídeo feita em inglês (incidentalmente: o termo “transparente”, nas frases abaixo, corresponde à – difícil – tradução do inglês “seamless” que significa “imperceptível”, “sem necessidade de interferência”, “sem solução de continuidade” – no caso: sem que o usuário perceba, sem que tenha que intervir, sem custo adicional):
“Windows 10 fará com que o processo de atualização seja o mais transparente possível.
“Nós já ajudamos duzentos milhões de usuários a atualizar transparentemente de Windows 8 para Windows 8.1 e mais de 650 milhões de usuários a fazer o mesmo do Windows 7 para o Windows 7 SP1.
“A segurança de seus sistemas melhorou, eles receberam novos recursos e funcionalidades que os fizeram mais produtivos.”
Quer dizer: Myerson lembrou que já por duas vezes a MS atualizou versões sem qualquer custo (o Windows 8.1 e o Windows 7 SP1, embora não oficialmente, por suas características e pelas novidades que traziam, na prática correspondiam a novas versões de seus antecessores). E prosseguiu com um anúncio que, quem vem acompanhando as notícias sobre Windows 10, sabe que alguns já desconfiavam, mas a maioria achava difícil crer:
“Durante o primeiro ano após o lançamento de Windows 10, nós (a MS) poremos à disposição de todos os usuários de dispositivos rodando Windows 8.1 uma atualização gratuita para Windows 10”.
Boa parte da plateia já esperava isto, portanto o anúncio não despertou comoção.
Depois de uma breve pausa, Myerson prosseguiu:
“Durante o primeiro ano após o lançamento de Windows 10, nós poremos à disposição de todos os usuários de dispositivos rodando Windows Phone 8.1 uma atualização gratuita para Windows 10”.
Bem, aí a plateia já ficou um tanto espantada pelo inesperado da notícia.
E, então, Myerson arrematou:
“Durante o primeiro ano após o lançamento de Windows 10, nós poremos à disposição de todos os usuários de dispositivos rodando Windows 7 uma atualização gratuita para Windows 10”.
E a plateia saudou o anúncio com uma salva de palmas…
Ora, Windows 10 está sendo desenvolvido com a estreita colaboração dos usuários. Quem já experimentou o novo sistema tem se declarado satisfeito com ele. Suas novas qualidades de integração de dispositivos com diferentes fatores de forma e capacidade de processamento é extremamente atraente para o usuário. E sua sincronização entre dispositivos usando a nuvem é uma mão na roda. A interface está sendo desenvolvida sob medida para usuários dos mais diferentes dispositivos e obedecendo a suas sugestões.
E a atualização será gratuita por um ano até para usuários de Windows 7.
Ora, meus amigos, exceto meia dúzia de usuários xiitas, daqueles impermeáveis a qualquer argumentação e carregados de má vontade, eu não conheço quem despreze uma oportunidade como esta para atualizar o sistema operacional de sua máquina com um muito mais moderno.
Pois é assim que, na minha opinião, a MS vai fazer “todo o mundo” usar Windows 10.
Já se ela vai conseguir manter esta turma toda usando o sistema, aí já são outros quinhentos mil réis.
Que atendem pelo nome de “Windows as a Service” (Windows como um serviço).
Mas isto é papo para outra coluna.
B. Piropo
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