No Departamento de Promoção de Políticas Públicas, do Ministério da Justiça e Segurança Pública do Brasil, é possível encontrar consoles como PlayStation 4 (PS4) e Xbox One, além de dois PCs gamers, adquiridos pelo valor unitário de R$ 29.308,03 mil. À primeira vista, pode parecer estranho que um órgão público tenha videogames à sua disposição. No entanto, a presença dos itens no setor tem explicação: eles são necessários ao trabalho dos classificadores de conteúdo do governo, que indicam a indicação etária de diversos produtos audiovisuais - entre eles, jogos.

Os dados foram obtidos pela Fiquem Sabendo, iniciativa jornalística independente que realiza solicitações via Lei de Acesso à Informação (LAI). Além dos PC gamers e dos consoles citados, o departamento tem, ainda, outras dez plataformas, incluindo um Nintendo Switch, um PlayStation 2 (PS2) e até mesmo um Atari.

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Os computadores foram adquiridos por meio de um pregão, modalidade de licitação que funciona como um "leilão inverso", em que empresas oferecem seus valores por produtos, e os órgãos públicos optam pelo de menor custo, e custaram cerca de R$ 58 mil ao orçamento total do Ministério (que foi de aproximadamente R$ 13.2 bilhões em 2020). A compra foi anunciada em um edital publicado em junho deste ano (pregão eletrônico Nº 11/2020, processo Nº 08017.001992/2019-33). A maioria dos outros equipamentos foi fruto de doações, já que, além dos PCs, apenas 1 PS4 foi comprado, na época pelo valor de R$ 2,1 mil.

Como funciona o departamento "gamer"?

Quando compradas as versões físicas de jogos como The Last of Us 2, Cyberpunk 2077 e Watch Dogs: Legion, é possível observar em suas respectivas capas um selo preto com número dezoito, simbolizando que sua gameplay é indicada somente para jogadores com idade igual ou superior a dezoito anos. Isso ocorre porque, para a Comissão de Classificação Indicativa, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, os games foram considerados impróprios para menores de idade. Durante as suas jogatinas há cenas de sexo, consumo de drogas e uso de violência.

O processo de classificação de produtos audiovisuais foi regulamentado pela primeira vez na década de 1990, com a volta da democracia e a consequente extinção da censura, ocorridas após a promulgação da Constituição de 1988. O serviço, nos moldes como conhecemos hoje, surgiu como parte das políticas de proteção à infância, presentes na criação do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990).

Para que os processos de análise comecem, as próprias desenvolvedoras e publicadoras dos jogos devem entrar em contato com a comissão para fazer suas solicitações. Depois de aprovados os pedidos, as empresas enviam os games ao setor, que inicia o processo de classificação.

Durante a análise, são considerados três eixos: sexo e nudez, consumo de drogas e uso de violência. Questões como a relevância do "conteúdo classificável" ao enredo do jogo, sua frequência de exibição e a construção das cenas também são levadas em consideração. Quando há mais de um fator classificável em um mesmo produto audiovisual, eles se interpõem, prevalecendo a classificação de maior faixa etária.

Os documentos de análise têm três pilares: a descrição fática, que basicamente apresenta uma sinopse do jogo; as tendências de indicação, que detalham o que há de conteúdo classificável no produto audiovisual em questão; e os aspectos temáticos, em que são abordadas as relações dos enredos dos jogos com os eixos de classificação. Games como The Last of Us 2, Cyberpunk 2077 e Watch Dogs: Legion apresentaram todos os três fatores classificáveis, e, nos três títulos

... , o eixo considerado de maior relevância foi o uso de violência extrema.

Há, no entanto, algumas possibilidades de um jogo ter cenas consideradas "violentas" e ainda assim ser classificado como livre. Isso aconteceu, por exemplo, com Crash Bandicoot 4: It's About Time. Embora o game da Activision conte com cenas de morte, que poderiam elevar sua classificação a não indicada para menores de 14 anos, seu conteúdo classificável é majoritariamente fantasioso, qualificando indicação livre.

Vale dizer, aqui, que o que se considera "fantasioso" são situações violentas que não condizem com a realidade. Em Crash Bandicoot 4, por exemplo, todas as vezes que os personagens principais morrem (caso o usuário esteja jogando no modo moderno), eles voltam à vida. Além disso, não há uso de sangue e/ou de tortura nas cenas, o que torna o conteúdo muito mais leve e family friendly.

Crimes de ódio (motivados por preconceito de gênero, de raça, de religião e orientação sexual) também são fatores classificáveis e indicados para usuários com idade igual ou maior a 16 anos. Em The Last of Us 2, por exemplo, é citada no relatório a cena seguinte ao primeiro beijo das personagens Ellie e Dina, quando o dono do bar em que elas estão repudia a relação entre as duas.

Por que os PCs foram tão caros?

Comprar um PC gamer não custa barato, especialmente quando se está à procura de um equipamento que mantenha bom desempenho por bastante tempo. Para se ter ideia, montar um computador com especificações similares às do PlayStation 5 (PS5), console de nova geração da Sony, não sai por menos de R$ 7 mil.

O TechTudo entrou em contato com o Ministério da Justiça e Segurança Pública para entender quais foram os computadores adquiridos e por que seus valores foram tão altos. Em nota, o órgão optou por responder apenas que as especificações do equipamento foram pensadas para que os produtos "não se tornem obsoletos a curto prazo". Vale dizer, aqui, que o tempo médio de vida útil de um PC gamer costuma ficar entre dois a quatro anos (período que pode ser aumentado).

Os computadores são utilizados por quatro analistas contratados pela Comissão de Política de Classificação Indicativa e servem para testar não apenas games, mas também programas distribuídos pela Microsoft Store. No edital, o departamento especifica ter escolhido o sistema Windows pela maior quantidade de jogos e aplicativos à disposição. Ainda de acordo com o órgão em questão, o processo de aquisição dos computadores "teve início há mais de cinco anos", mas só obteve sucesso agora, em 2020.

Os preços dos computadores foram extremamente altos, já que é possível comprar bons PC gamers por preços mais em conta (embora especificações bem diferentes das desejadas pelo departamento em questão), e as configurações escolhidas pelo Ministério não foram todas top de linha. Quando fizemos, aqui no TechTudo, uma pesquisa prévia na Internet pelas peças vendidas separadamente, chegamos ao número médio de R$ 23 mil por unidade. Por outro lado, vale lembrar que o edital foi publicado em junho deste ano, período em que produtos tecnológicos, como PCs e consoles, tiveram grande aumento em seus valores.

Até o fechamento desta reportagem, o Ministério da Justiça e Segurança Pública não comentou as divergências encontradas nos valores dos PCs comprados e no levantamento feito pelo TechTudo. Os computadores do departamento têm peças variadas, sendo algumas top de linha (como o CPU), e outras de entrada (como o Water Cooler).

Confira, abaixo, as especificações completas dos PCs gamers utilizados pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública.



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