O Brasil é gigante, assim como o cenário de Street Fighter em terras tupiniquins. O país, em toda a sua majestosa proporção continental, só não é maior do que a miríade de histórias de jogadores, espalhados pelas ruas do território.
“A Luta das Ruas” vai contar uma pequena parte da trajetória desses lutadores. Um passeio pelo Brasil, conhecendo as lutas de cada um dos brasileiros que escreveram suas vidas através da paixão por Street Fighter.
Keoma, o maior jogador de Street Fighter do Brasil
A viagem começa Sul do país, em Gravataí, com Keoma Mousatsos Pacheco. “Consistência” talvez seja a palavra ideal para definir Keoma. O jogador competiu nas mais diversas iterações da franquia Street Fighter, desde Super Street Fighter IV até o mais recente Street Fighter V: Arcade Edition. E em todas elas, suas performances de alto nível chamam atenção: no Treta Championship 2017, o gaúcho bateu a marca de sete anos sem sair do Top 8 em torneios presenciais no país.
Keoma, junto com Eric “Chuchu” Moreira, foi um dos primeiros jogadores brasileiros a alcançar maior prestígio internacional, competindo não apenas na Capcom Cup, mas também em outros grandes torneios como Red Bull Kumite, EVO, Never Give Up, Hadocon e DreamHack. E mesmo depois de tanto tempo no topo, Keoma é sóbrio com relação à sua posição de referência.
“Acredito que no mínimo tenha dado algo no qual as pessoas poderiam acreditar: que chegar longe é possível quando a vontade é verdadeira”, disse o jogador, em entrevista exclusiva ao TechTudo.
Além disso, Keoma foi responsável pela maior conquista do país na história competitiva de Street Fighter. Em 2015, ele disputou a Capcom Cup e alcançou o Top 8 com seu clássico Abel, se consolidando como o melhor Abel do mundo em Ultra Street Fighter IV. E o jogador é cirúrgico ao falar sobre seu impacto no cenário brasileiro após o torneio.
“Minha meta após a Capcom Cup foi inspirar outros jogadores”, conta Keoma. “Minha história nunca foi simplesmente minha ou envolveu apenas a mim. É bem seguro que cheguei onde cheguei graças às pessoas que tive pra treinar e a todos que contribuíram para que eu estivesse lá de tantas maneiras diferentes”.
Com dados tão expressivos, não é de se espantar que Street Fighter e os jogos de luta em geral tenham um enorme impacto na vida de Keoma.
“Todo o processo que envolve jogar um jogo de luta - e a paixão e dedicação que o envolve - me tornou quem eu sou hoje, me trouxe as pessoas que tenho hoje, me levou a lugares que nunca imaginei conhecer e me fez conhecer um pouco de tudo e muito de mim. Fighting games para mim são uma ponte, um meio de comunicação comigo mesmo e com as pessoas ao meu redor, que me permite ter um diálogo com a sua personalidade.”
Mas os problemas existem, e o jogador do Rio Grande do Sul consegue ver as dificuldades que a cena regional enfrenta no momento. “O cenário gaúcho não me parece movimentado como antes”, aponta.
”Talvez por prioridades na vida comum de cada um ou simplesmente falta de interesse no gênero vindo de diversos players. A maioria dos top players locais parecem centralizados na região metropolitana de Porto Alegre.”
Keoma ainda destaca que o nível geral da região é relativamente baixo, e que a soma entre a falta de eventos e a aparente falta de imersão no jogo faz com que grande parte do seu treino seja sozinho ou puramente online - o que passa a ser um problema por si só. Mas finaliza de maneira promissora.
“Atualmente existem algumas pessoas dispostas a mudar essa realidade, seja trazendo players novos ou tentando resgatar o interesse dos antigos. Quem sabe possa trazer boas notícias em um futuro próximo”, frisou o atleta.
O rejuvenescimento do cenário nas mãos de Andrei “Darkside” Nobre
E quando se fala em players novos, não há como não destacar Andrei “Darkside” Nobre. Indo para Canoas, encontramos um dos maiores prodígios da atualidade no cenário de Street Fighter, o jogador de 14 anos que já tem em sua carreira conquistas bastante expressivas - dentre elas, a mais recente foi ter sido o jogador mais novo a participar da Liga Brasileira de Street Fighter.
Darkside conta que o pai possuía uma locadora de jogos, onde trabalhava com manutenção e conserto de videogames, e que a locadora começou a atrair muitos jogadores de Street Fighter e Mortal Kombat. Foi nesse ambiente que o jogador cresceu e aprendeu sobre jogos de luta.
“Depois de um tempo, fui muito incentivado por eles a jogar, desafiado mesmo. E eu me vi naquilo”, explica Andrei, com exclusividade para o TechTudo. “Então, logo depois, me esforçando um pouco, já tinha me tornado o ‘Garoto Prodigio’, que talvez um dia pudesse representar o Sul em apenas alguma partida - e é isso que me motiva a jogar até hoje.”
Jogador inveterado de Karin e Juri, Darkside divide seu tempo entre estudar, fazer suas streams e jogar localmente na Mr. Game’s. E na hora de falar sobre os planos da carreira, o atleta demonstra sabedoria, ao contrário do que a idade sugere.
“Acredito que minha maior meta agora, seja continuar evoluindo sempre, participar de mais campeonatos de fora do Sul e conseguir mais experiência”, aponta. “Quero poder ajudar sempre os players que me assistem - o que acaba me ajudando muito também -, tendo sempre como base a humildade e nunca perder a fé.”
Igor 3K e Velberan - Os maiores criadores de conteúdo de jogos de luta
O Sul também é a região dos maiores criadores de conteúdo de jogos de luta do país. Saindo do Rio Grande do Sul e chegando no Paraná, encontramos Igor 3k e Velberan, que somando todos os seus canais no Youtube alcançam mais de dois milhões de pessoas - dos quais cerca um milhão recebe conteúdo relacionado a fighting games, seja no canal Velberan Games ou no Clube da Luta, de Igor.
Igor aponta que não é fácil lidar com o público.
“A pior coisa é lidar com a comunidade. Até então, eu achava que o pessoal do Dota 2 era o mais tóxico dos videogames. No meu canal, eu sou obrigado tanto a vencer quanto a perder, ao mesmo tempo e no mesmo game: se venço, meu oponente é fraco e eu não tive mérito; se perco, sou horrível e não deveria ter criado canal de luta.” questiona 3K. “Essa galera não leva em consideração que eu não sou profissional. Jamais disse, sequer, que sou o melhor criador de conteúdo de Fighting Games.”
Além disso, o carioca radicado em Curitiba é cético com relação ao potencial de mercado dos jogos de luta no YouTube. “Meu canal de jogos de luta surgiu muito mais como uma desculpa pra jogar KoF e Street fighter do que algo pensado para fazer dinheiro ou fama. Pra mim, até hoje, é um conteúdo que crio como hobby: apesar da roupagem profissional que dou e chamo de trabalho, não é algo que gera uma renda da qual posso viver”.
De acordo com Igor, o Clube da Luta gera por volta de US$ 300 por mês, e que os números não justificam fazer um investimento alto para começar um canal do zero.
“Sinceramente, não recomendo a alguém comprar todo o equipamento necessário para começar um canal novo – digo, com a certeza de quem cria conteúdo há vários anos, que jogos no YouTube estão abandonados pela plataforma, especialmente os de nicho tão fechado como fighting games.”
Mas, na visão de Igor, nem tudo se resume aos problemas.
“Há uma parte boa, no entanto: depois que criei o Clube da Luta - hoje o maior canal brasileiro dedicado exclusivamente ao gênero - outros canais menores que não tinha visibilidade estão entrando no radar de quem gosta do gênero, por meio dos vídeos relacionados. É algo fácil de comprovar analisando a curva de inscritos e visualizações nas datas subsequentes ao surgimento do canal”.
E quem acha que a participação de Velberan e 3K no cenário está limitada aos seus vídeos do Youtube, achou errado: ambos estão constantemente envolvidos com o competitivo do jogo, seja aparecendo em torneios ou comentando as novidades do cenário internacional de Street Fighter V. Foi inclusive na última edição do Treta Championship, maior torneio de jogos de luta do país, que rolou o embate entre os dois - e 3K saiu vitorioso, vencendo Velberan por 3 a 2.
Curitiba, lar do Treta Championship
Curitiba também é onde acontece o torneio mais tradicional do país, o Treta Championship. Torneio criado por Giovane “Gigiolurez” Lurezonski no fim da última década, rapidamente se consolidou como o maior campeonato de jogos de luta do Brasil, atraindo inclusive jogadores de renome internacional. Players famosos como Hajime “Tokido” Taniguchi, Ryan Hart, Naoto “Sakonoko” Sako e Peter “Combofiend” Rosas já jogaram no Treta, agregando prestígio ao torneio e possibilitando que os maiores nomes do país pudessem enfrentar lendas estrangeiras.
Mas Giovane destaca que o Treta não se limita ao torneio anual. Além dele, o organizador mantém também o TRT Arcades, espaço de encontro da comunidade de Curitiba, onde se pode jogar desde os jogos clássicos até os lançamentos mais recentes de jogos de luta.
“Graças à paixão pelos jogos de luta, hoje eu tenho esse arcade em Curitiba, onde faço lives e ensino a galera a jogar”, finaliza Gigio.
Atualmente, o Treta não só faz parte da Capcom Pro Tour como é o principal ponto de encontro da comunidade, levando dezenas de jogadores do país inteiro para Curitiba nos dias de torneio. Mas o mais interessante talvez seja o que aconteceu em 2017: seguindo a tradição de colaboração da comunidade, o Treta também serviu de palco para um outro torneio de escala nacional - a Grande Final da Kombat Klub Pro League, que depois de diversas etapas online, teve sua conclusão presencial em solo paranaense.
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